Da janela aberta via-se o céu cinzento. Um vento frio, fora de estação, penetrava no quarto.
O tédio do feriado trouxe aquela vontade súbita de rever a velha foto, guardada na gaveta do tempo, como ele a chama, juntamente com bilhetes e anotações amareladas, pequenos presentes e objetos que marcaram um período da sua vida onde a felicidade realmente se apresentou diante dele com toda a sua plenitude.
Sem demora ele acharia a foto. Mas como num ritual, prefere examinar outros papéis primeiro, para tornar a ansiedade maior e aumentar a importância do momento em que, finalmente, pousaria seus olhos sobre aquela imagem, e daí as consequências das conjecturas intermináveis.
- Quanto tempo já passou! - exclamou, sem fazer contas. Tomou a fotografia nas mãos com o cuidado das porcelanas antigas. Percebeu que estava em bom estado, resistindo implacável ao passar dos anos, ainda trazendo o brilho e as cores firmes.
Em meio a uma festa cheia de animação, ele está abraçado a uma bela jovem. Esboça um sorriso triste ao contemplar a imagem, enquanto se pergunta como pode uma simples fotografia conservar o viço e a juventude de um rosto que hoje ostenta os sulcos das aragens difíceis. Surpreende-se com esse poder misterioso de irradiar o amor que os dois sentiam naquele momento.
Eram tão jovens para enfrentar as famílias e assumir aquele sentimento. Parecia que tantas oportunidades ainda viriam, que amaria e seria amado e que aquele relacionamento seria lembrado apenas como o primeiro amor.
Ah, se naquele tempo soubesse que todos os beijos que daria por toda a vida seriam comparados com aqueles, que nenhum outro abraço seria tão desejado, que nunca mais se sentiria tão intensamente amado.
Saiu da vida dela como quem sai do cinema, leve, como se tivesse apenas assistido a um filme romântico. Sabia que ela sofrera muito, mas não pensava muito nisso naquela época.
Foram necessários vários anos para perceber o que tinha perdido e, quando finalmente foi procurá-la, não mais a encontrou. Nada se sabe, nada consta em seu nome. Pode ter ido morar em outro país, pode até não estar mais viva.
Um aperto intenso no peito o faz lembrar que já é o bastante, que já não tem mais idade para memórias tão fortes, que não adianta se punir por ter deixado escorrer pelos dedos, como um líquido qualquer, o grande amor da sua vida.
Torna a guardar cuidadosamente os seus papéis, bem como aquela única foto, que traz eternizada a imagem de duas pessoas que talvez não voltaram a ser tão felizes fora daquela fotografia.
Ele fecha a gaveta do tempo, até que outro dia se faça cinza e um friozinho agradável o transporte para contemplar, com tristeza, a felicidade que ficou no passado.
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