Mais poesias


À Maria da Penha Maia Fernandes que deu nome à lei.


No alto da Penha
uma ladeira inteira
de maus-tratos ao coração.

Uma vida inteira
com verbos sem ligação
que com labor e luta
deu um basta na agressão.

E assim, caminho aberto,
pôs a mulher no rumo certo
com direito de trabalhar,
ir e vir, sonhar e amar.

Maria, com muito orgulho,
somos também, no mesmo tom,
nessa marcha de guerreiras, 
mas guerreiras de batom!



UMA DEMANDA INUSITADA



- Preciso de uma advogada,
disse a cliente no escritório.
Era uma demanda inusitada
que assim me foi relatada:

Quero processar os poetas
os contistas, romancistas
e para ação ficar completa,
os autores infantis.

Vou juntar os documentos
e provar para o juiz
que a razão dos meus tormentos
vem do poeta que assim diz:

“O amor é majestoso
vale a pena o encontrar”
para mim um grande engodo
por isso vou processar.

Também o conto infantil
que me fez ser a princesa,
não passava de um ardil
para o qual não há defesa.

E o romance açucarado
me enchendo de esperança
de um amor tão celebrado
não causou desconfiança.

A promessa não cumprida
de um tal final feliz
me deixou grande ferida
uma enorme cicatriz.

Quero ser a proponente
de uma ação judicial
para que seja procedente
esse meu dano moral.

Percebendo a coerência
de toda a argumentação,
concordei sem divergência:
- Vamos propor essa ação!



VEM E VAI


É a onda que vem
vem e vai.

Como a cheia do rio
que sobe e se esvai.

É a lua que surge
e depois se retrai.

Como o homem que nasce
morre e “bye”.

É o ciclo da vida
vem e vai.

Como o sol que nasceu
sobe e decai.

É o amor que chegou
entra e sai.

Mas a dor que deixou
dói demais.



AGORA


 Agora posso respirar

e sorrir
e jantar.

Agora posso ir
pra um lugar
divagar.

Agora posso ver
o meu eu
renascer.

Agora posso parar
de sonhar
e lutar.

Agora estou livre
para ser
e vencer.

Agora estou bem
para o ano
que vem.



FLASH DO RUSH 


Todos eles escondidos
camuflados, disfarçados
multidão insensível
de cores escuras
de faces marcadas.

Ninguém demonstra sentir
um só sentimento
rostos fechados
atitudes programadas
na rotina da cidade grande.

O dia é um bonito azul
mas eles nem reparam.
A noite chega e traz a lua
e a procissão continua apressada
ninguém levanta os olhos
para ver acima dos prédios.

A lua fica lá, cheia talvez
confundida com uma luminária.
A visão só alcança
a dimensão interna de cada um
trancados,  prostrados
subjugados pela própria sociedade.


LOMBADAS


Quantas
Lombadas
Tombadas
Cantadas
Em tantos
Versos
Complexos.

Tantas
Pinguelas
Magrelas
Seguidas
Em quantos
Caminhos
Daninhos.

Tantas
Janelas
Fechadas
Lacradas
Em tantos
Prédios
Perdidos.

Quantos
Amores
Vencidos
Ruídos
Em quantos
Corações
Partidos.




ESCRITÓRIO 


Escritório
sina de todo dia
multidão comprimida
na total monotonia.

A porta fecha
deixando a vida lá fora
o relógio é moroso
e a saída demora.

Presos na caverna de luxo
onde o sol não entra
onde a chuva não molha
e até o ar é condicionado.

Escritório
robôs de crachás
sem pensamentos, sem vontade
sem individualidade.

As melhores horas
de muitos dias
em troca da breve alegria
do dia cinco.



O LIVRO E O PROFESSOR


Abrem o livro
de cores intensas
profundas mensagens
na sala de aula.

Desfilam os mestres
em seus pedestais
Drummond e Bilac
em tons magistrais.

Pintores, autores
vão ser retratados
nas folhas macias
tão bem decoradas.

Despertam talvez
a arte escondida
no aluno que vê
na aluna que lê.

E aí professor,
aí está você
em meio aos grandes
é grande também
alcançando o sentido
de fazer o bem.


PERMITA-SE


O que é o presente
senão o vão momento
que o passado já engoliu?

O que é o futuro
indelével destino
que não se pode controlar?

Permita-se
sentir a brisa,
olhar o horizonte
esperar a primeira estrela.

Permita-se
beijar hoje
sair, caminhar
esquecer as obrigações.

Permita-se
sorver um bom vinho
uma boa companhia,
jogar conversa fora.

Permita-se
acreditar no amor,
na sorte,  no destino
e na bondade das pessoas.

Permita-se.


MENINO POBRE


Menino pobre
da noite quente
abandonado
menor carente.

Menino pobre
da noite nua
necessitado
no olho da rua.

Menino pobre
do pé descalço
chutando lata
pela calçada.

Menino pobre
menino sujo
vagando triste
um moribundo.

Menino inquieto
girando o mundo
sem casa e roupa
sem mãe nem pai.

Menino triste
pra onde vai
o que vai ser
quando crescer?



MAR


Ventos
valsando
voltam
vagando
trazendo
o barulho
do mar.

Brisas
soprando
ondas
tragando
fazendo
a beleza
sem par.

Canários
cantando
aves
voando
planando
a leveza
do ar.

Praias repletas
luzes, atletas
completam
essa vida
no mar.


O MURO

  
O muro gelado
separa a cidade
de um lado a mentira
e de outro a verdade.

O muro mesquinho
divide o amor
de um lado ele é puro
no outro é dor.

O muro pichado
esconde a alegria
de um lado é noite
de outro é dia.

O muro maldito
separa os humanos
de um lado carentes
de outro insanos.

O muro é eterno
e faz parte de nós
deixando os homens
isolados, a sós.




TALVEZ


Talvez seja esse
o amor que procurei por toda a vida
que pedi às estrelas
que pedi aos santos
que procurei nos cantos.

Talvez seja esse
o amor que sonhei da despedida
quando descobri o engano de um amor trocado
e senti o sofrimento sem pecado.

Talvez seja esse
o amor que me fará forte
e de tão forte me fará fraca
por ter meu coração entregue à sorte.

Talvez seja esse
o amor que me fará feliz
e será firme e será tão sólido
que poderemos formas nós dois
um só tronco, uma só raiz.

Talvez seja esse, finalmente
o meu caminho, o meu destino
a chave que libertará do meu peito
todo o amor que eu tenho para dar
a recompensa por querer tão somente
partilhar de um sentimento sincero
a realização do simples, porém complexo
desejo de amar.

Talvez seja esse, talvez...

PRÉDIOS


Os prédios roubaram o meu horizonte
não vejo mais a aurora
nem o por do sol.
A poluição engoliu as estrelas
e escondeu o céu.
Só a lua resiste ainda
e teima em aparecer
nas noites que seriam claras
e quem sabe lindas.
Imagino que atrás dos prédios
existam prédios
e que atrás destes
e de outros tantos
sobreviva ainda um horizonte
que se possa contemplar.
Esqueci o que é a amplidão
só sei procurar restos de sol
por entre os prédios úmidos.
Parece que concorrem em tamanho
e querem ser maiores
e querem ser tão altos
que logo esconderão a lua
que logo bloquearão o vento
e por fim o ar.
Moro na cidade grande
e não lembro mais do mar.
Sou companheira da neblina
e procuro a noção de horizonte
confinada no meu pequeno espaço
numa altura qualquer
de um dos milhares de prédios
que aprisionam sonhos e gente.

VERÃO


Deus criou o mundo e, contemplando-o,
viu que poderia ficar ainda mais bonito,
intensificou-lhe as cores, o brilho, 
pintou de mais azul o céu 
e de mais verde as árvores. 
Depois de pronto,
contemplou-o novamente,
e admirou a sua obra, 
chamou-a de VERÃO.


APAIXONADA


Às vezes mulher
Às vezes menina
Às vezes madura
Às vezes infantil
Às vezes doce
Às vezes amarga
Mas sempre, 
Sempre 
Apaixonada.

TÃO SEM MOTIVO


Eu pensei que nunca mais sentiria isso
tão sem propósito, tão sem hora,
tão sem porquê.
Achei que os sonhos tinham passado
e o descompasso, só falta de maturidade.
E agora, o que é isso?
Para estragar a minha vida
tão linear, tão previsível,
tão confortável.
As reflexões já não me alcançam
já não sou mais ponderada
não faço o que deveria fazer
e sonho com o impossível.
O alvo se afasta de mim
na velocidade da luz
mas eu olho para trás
não posso evitar
mil muralhas
e milhares de rostos me fitam
todos com face consternada
tão revoltados, tão assustados
tão injustos.
Não tenho culpa disso
mas sinto o que sinto
e o que sinto nem explicação tem.
Não me faz bem
mas me faz tão bem!
É um fato lamentável
mas estou tão feliz!
Sei que não tem meio nem fim
que não tem pé nem cabeça
mas é tão bom sonhar
no sonho o sonho é possível
tão perto, tão recíproco,
tão perfeito.
O impossível,
Pensar nele pode me prejudicar
mas não evito
pode vir
não vou lutar contra
nem fazer resistência
quem sabe isso termine
como começou
tão sutilmente, tão de repente
tão sem motivo.




AMIZADE DE PASSAGEM


Quando me estendeu a mão
não percebeu que o que via
era apenas o reflexo do que podia ver.
Não notou que o que parecia íntegro
estava na verdade formado
pelos estilhaços do meu padecer.
Devolveu-me a compostura
e me mostrou a bondade
na beleza do seu desprender.
Mas era breve a passagem
e desligando o que nos ligava
disse adeus sem dizer.
Seria amizade, anjo bom
coincidência ou destino
ainda estou sem saber.
Mas a luz que deixou
que me conforta e inspira
só tenho a agradecer.



ENCHENTE


A água molhou os meus papéis
os versos dos poetas
os escritos dos cronistas
minhas palavras prediletas.
Manchou  meus sonhos
e levou na correnteza
minhas certezas e incertezas.
Deixou lodo onde havia felicidade
levou meus sentimentos
e violou minha intimidade
não perdoou uma só folha
de branca fragilidade.
Fui dormir sonhando com o futuro
e acordei em cima do muro
fugindo das comportas abertas
a água invadindo todas as frestas
penetrando nos meus planos
molhando os meus enganos
encharcando minhas lembranças
invadindo rápido e saindo mansa.
Os móveis caídos, na chuva
o pé torcido, na fuga.
a sensação de naufrágio, desordenada
a realidade de explorar
o meu navio afundado.


TEMPO FRAGMENTADO


O tempo
fragmentou-se
e, no filamento de um segundo,
com a razão ludibriada,
vi, nos teus olhos,
o mundo.


SEJA FELIZ


Vem o sol, vagarosamente,
rasgando o negro da noite
com nuances de vermelho.
Depois vêm os azuis, os amarelos
e outros tons que se misturam
em suaves matizes.
É a natureza pintando mais uma manhã,
mostrando que a vida é colorida.
Esqueça as auroras que a noite já engoliu.
Esqueça o anoitecer
que virá em futuro incerto.
Hoje é o dia perfeito para contemplar
a vida que se renova.
Basta um amanhecer de cada vez.
Seja feliz!




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